
Saber que a minha professora de ioga teve um AVC quase me deixou sem ar. Que susto. E que emoção encontrá-la poucos meses depois, sentadinha no seu “tapete mágico”, me esperando para mais uma aula. Respiração lenta e profunda, suspiro de alívio, quanta alegria. Que bom que você voltou, Helem.
Como eu já contei no post anterior, acabou que quase não teve aula esse dia. Trocamos o silêncio pelas palavras. Eu queria muito saber como ela estava, ouvir o que aconteceu, me conectar a essa emoção. O relato foi tão bonito que veio parar aqui.
Tudo começou numa quinta-feira, com uma notícia ruim: a morte de uma aluna de apenas 30 anos que não sobreviveu a um transplante de fígado. Esse parece ter sido o grande gatilho emocional em meio a toda uma turbulência que Helem já estava vivendo: mudança de casa, muito trabalho (presencial e online), estresse, cansaço. Tudo isso acumulado em um contexto de medo e tensão chamado pandemia. Tudo isso atrelado a um outro contexto anterior (irrompido há três anos mas que já se arrastava há cinco), envolvendo um evento doloroso e traumático na sua vida pessoal. Respira.
Naquela quinta-feira sua cabeça doeu: forte, associada a uma sensação de labirintite. (Muito parecida com a dor física – além da emocional – que sentiu há três anos atrás). Buscou ajuda na homeopatia, tomou remédio, trabalhou normalmente. Na sexta foi para o Sítio Sertãozinho, próximo a Belo Horizonte, onde costuma desenvolver um trabalho terapêutico nos finais de semana.
Chegando lá buscou descansar, mexeu com argila, entrou na caixa orgônica (uma caixa terapêutica que concentra a energia vital da natureza e auxilia no tratamento de diversas enfermidades), e organizou alguns detalhes do curso. Os participantes foram chegando e recebidos com conversa e escalda pés. Helem ainda se sentia um pouco estranha, mas acreditando mesmo se tratar de labirintite. A partir daí uma sucessão de fatos foi confirmando que algo não estava bem. Na hora do jantar, foi se servir e seu prato simplesmente virou, deixando cair toda a salada no chão. Dormiu e acordou com dor de cabeça; a sensação é que sua fronte esquerda borbulhava feito sal de fruta. Helem se percebia estranha, lenta, bamba, sentindo como se o chão estivesse longe. Sem condição alguma de trabalhar, passou as atividades para uma colega e tratou de ficar mais quieta. Domingo pediu para o marido buscá-la, queria ir para casa. Ao insistir na sua hipótese diagnóstica (“Acho que é labirintite”), recebeu a resposta enfática do filho: “Mãe, não dá para você ficar achando mais nada. Agora você precisa é ter certeza. Vamos te levar para o hospital.”
E assim foi. Hospital em tempos de pandemia, seja o que Deus quiser. Para seu alívio o pronto-atendimento estava vazio: ela foi a segunda ser atendida, logo depois de uma moça com síndrome do pânico.
Assim que o médico auferiu sua pressão, encaminhou-a imediatamente para uma ressonância magnética. Mal foi saindo do tubo, ouviu o doutor dizer à enfermeira para preparar um box no CTI, onde ficou por três dias. Saiu do hospital com o diagnóstico de AVC (embora sem uma explicação muito precisa do que pode tê-lo desencadeado) e um encaminhamento para o cardiologista. Fez fisioterapia, acupuntura, seguiu firme com a homeopatia. Nas horas vagas contemplava a vida pela janela e dormia. Muito. Alheia a tudo, não queria saber de conversar. Apenas dormir, restaurar suas forças, sonhar. Restou uma fraqueza no braço direito, e só. A perna do mesmo lado já está normal.
Olhando para trás, Helem consegue perceber leveza – e até beleza – no seu AVC. Para além de todos os fatos, sintomas, desconforto e estranhamento vivenciado em todo o processo, a sensação é que ela entrou meio que em um estado alterado de consciência, que ela chamou de “nuvem”. Por exemplo quando o filho quis levá-la ao hospital; ou quando o médico pediu o exame de ressonância magnética e depois a encaminhou ao CTI: situações que ela naturalmente contestaria, por vezes questionaria, mas apenas e naturalmente resolveu aceitar, se entregar no bom sentido, se deixar levar pelo movimento. Se ela fosse resumir a experiência, seria: “Tudo está do jeito que tem que estar.” Essa postura de neutralidade, de um tipo de mente que a gente aprende na ioga, tem acompanhado Helem nos seus dias, no seu cotidiano, diante de tudo o que acontece como limitação, desencontro, dissabor, imprevisto.
Olhando para trás, ela volta ainda mais lá atrás, no fatídico episódio que marcou sua vida há 3 anos. O susto foi tão grande que parece ter bloqueado sua emoção; o choro ficou guardado, trancado, contido. Ao invés de elaborar a dor, Helem trabalhou como nunca, muito provavelmente para se distrair do problema. Os neurologistas não conseguiram explicar o que desencadeou seu AVC, mas talvez ela mesma saiba. Quem sabe a dor foi tanta que se acumulou nos vasos sanguíneos, e eles acabaram se rompendo. Rompendo para não acumular mais nada, desatar, desaguar, deixar ir.
E foi lá, “na nuvem”, que ela avistou o sol. Aquele mesmo sol com que ela evoca o fim de cada aula, de onde eu saio leve e restaurada para mais um dia de trabalho: “Que o eterno sol te ilumine, que o amor te envolva, que a luz pura interior guie o seu caminho.”
Termino o post e respiro fundo. Pulmão, cérebro, coração. “Tudo está do jeito que tem que estar”.
Obrigada, Helem. Por te guardar aqui comigo, por compartilhar sua história com o mundo, por nos ensinar tanto. Sat Nam, cuide-se bem.
Renata, Que delicadeza para comentar a história da Helen. É necessário aprender e trabalhar, vivenciar nossas emoções, ne!! Abraço forte
E que alegria ter seu comentário por aqui, Marilene. Sim, você tem toda a razão: emoções foram feitas para serem vividas, muito mais que sentidas. Helem me levou um pouquinho pra “nuvem” também, junto dela.
Abraço carinhoso, querida.
Adorei seu relato ! Tal qual a minha experiência. Eu reli e a cada vez,me emociono com cada detalhe observado por você com carinho e respeito.
Obrigada por registra-la. Me traz muita alegria ao constatar que mesmo nos desafios que vivemos,podemos ver a presença e as bênçãos da força que cria e que está em nós.
Que você seja sempre abençoada, feliz e saudável. E continue exercendo a sua missão de vida com graça e dignidade. Beijo grande!
Ah, Helem!… Foi uma alegria registrar sua vivência aqui no blog (e no coração). Seu relato é precioso, tenho certeza de que vai tocar e ajudar muitas pessoas.
Que bom, missão cumprida. Lindamente cumprida, me emocionei daqui também.
Obrigada, querida. Muito obrigada pela confiança.